quinta-feira, 16 de outubro de 2008


A ocupação e conflitos no sertão nordestino


Como o governo proibia a criação de gado no litoral para não prejudicar o plantio da cana-de-açúcar, a opção foi a abertura de currais no sertão, próximo aos rios e riachos. Assim, o gado foi atingindo não só o interior da Bahia e do Piauí, mas também o interior de Pernambuco, Paraíba e Ceará.
Sertão Nordestino, que pouco se alterou desde a época da colonização.
Os donos dos currais não respeitavam as terras dos antigos habitantes da região e deixavam o boi solto, o que deu origem a muitos conflitos entre portugueses e indígenas, pois os nativos viam no boi uma caça fácil e proveitosa. Quando atacavam o gado, os vaqueiros reagiam e o conflito muitas vezes terminava desfavorável para os antigos donos do sertão.
Quando os holandeses ocuparam o Nordeste (1630-1654), os indígenas se dividiram: parte dos Potiguara e de grupos do litoral ficaram do lado dos portugueses, e outros povos do interior, entre os quais os Janduí, aliaram-se aos holandeses.
Com a expulsão dos holandeses, grupos indígenas do sertão aceitaram um acordo de paz com os portugueses, como foi o caso dos Janduí. Devido à inabilidade do governador João Fernandes Vieira, que prendeu e enviou para Lisboa dois filhos do cacique, a revolta tomou conta desta nação e os conflitos começaram.
Aos Janduí aliaram-se os Gueguê, os Galache, os Anayó, os Iço, os Piancó e os Kariri, que igualmente viram suas terras sendo concedidas aos portugueses. Essa aliança ficou conhecida como Confederação Kariri.
Na Bahia outros grupos rebelaram-se, como os Amoipira e os Pimenteira, de língua tupi. Para combatê-los, os portugueses conseguiram a adesão de parte dos Kariri, que eram aldeados pelos capuchinhos.
Embora haja poucas informações sobre esses embates, o conflito provavelmente não foi muito favorável para os portugueses pois, em 1677, o governador da Bahia pediu ajuda aos paulistas para conter os ataques, sobretudo dos Anayó. Como o governo proibia a criação de gado no litoral para não prejudicar o plantio da cana-de-açúcar, a opção foi a abertura de currais no sertão, próximo aos rios e riachos. Assim, o gado foi atingindo não só o interior da Bahia e do Piauí, mas também o interior de Pernambuco, Paraíba e Ceará.
Sertão Nordestino, que pouco se alterou desde a época da colonização.
Os donos dos currais não respeitavam as terras dos antigos habitantes da região e deixavam o boi solto, o que deu origem a muitos conflitos entre portugueses e indígenas, pois os nativos viam no boi uma caça fácil e proveitosa. Quando atacavam o gado, os vaqueiros reagiam e o conflito muitas vezes terminava desfavorável para os antigos donos do sertão.
Quando os holandeses ocuparam o Nordeste (1630-1654), os indígenas se dividiram: parte dos Potiguara e de grupos do litoral ficaram do lado dos portugueses, e outros povos do interior, entre os quais os Janduí, aliaram-se aos holandeses.
Com a expulsão dos holandeses, grupos indígenas do sertão aceitaram um acordo de paz com os portugueses, como foi o caso dos Janduí. Devido à inabilidade do governador João Fernandes Vieira, que prendeu e enviou para Lisboa dois filhos do cacique, a revolta tomou conta desta nação e os conflitos começaram.
Aos Janduí aliaram-se os Gueguê, os Galache, os Anayó, os Iço, os Piancó e os Kariri, que igualmente viram suas terras sendo concedidas aos portugueses. Essa aliança ficou conhecida como Confederação Kariri.
Na Bahia outros grupos rebelaram-se, como os Amoipira e os Pimenteira, de língua tupi. Para combatê-los, os portugueses conseguiram a adesão de parte dos Kariri, que eram aldeados pelos capuchinhos.
Embora haja poucas informações sobre esses embates, o conflito provavelmente não foi muito favorável para os portugueses pois, em 1677, o governador da Bahia pediu ajuda aos paulistas para conter os ataques, sobretudo dos Anayó.

A penetração no interior do Brasil

No século XVII os portugueses da Bahia penetraram no Interior do Brasil, não apenas seguindo o curso do rio São Francisco, que era como uma larga estrada aberta, como também outros rios menores em direção ao Piauí, em busca de uma comunicação terrestre com o Maranhão. Após a expulsão dos franceses da ilha de São Luís, tornou-se urgente a abertura deste caminho, garantindo um acesso mais seguro que a via marítima.
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO NORDESTINO/SERTANEJO NA
CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL

RESUMO
O presente texto propõe uma discussão sobre a construção da imagem do
nordestino, associado ao homem sertanejo, na constituição da identidade brasileira e as
conseqüências da composição desta imagem proposta por intelectuais do Norte e do Sul do
país, no início do século XX. Para isso, dialogarei com alguns autores brasileiros que, em
diferentes épocas, traçaram um pensamento sobre o Brasil e a complexa representação da
identidade nacional, a exemplo de: Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Renato Ortiz e
Durval Muniz Albuquerque Jr.
Palavras-chave: Identidade Nacional, representação, sertanejo, estereótipo.
1. A construção da identidade nacional: Brasil ou Brasis?
Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas,
deveríamos pensá-las como constituindo um
dispositivo discursivo que representa a diferença
como unidade ou identidade.
Stuart Hall
Quem somos nós povo brasileiro? O que nos constitui? O que faz o brasil ser
Brasil? Brasileiro é assim mesmo?..., Essas e outras são perguntas que cotidianamente
ocupam grande parte dos intelectuais brasileiros, ainda nos dias de hoje, mas que começam
a ser formuladas, de forma mais sistemática, no início do século XX.
Aceitar a multiplicidade e a diversidade de vozes e presenças no Brasil nunca foi
fácil para a elite local. Os sentimentos ambivalentes de fascínio e repulsa, preconceito e
1 Mestranda do Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade da UFBA e coordenadora do Núcleo
Pedagógico do CRIA
Centro de Referência Integral de Adolescentes. E-mails: evasemarias@uol.com.br
e
claudia@criando.org.br
aceitação, envolvimento e distanciamento e a dificuldade de reconhecimento do outro em
si mesmo compõem a história da construção da identidade nacional.
Em seu estudo sobre a Cultura Brasileira e Identidade Nacional, Renato Ortiz traça
historicamente o processo de construção da identidade nacional, retomando as diferentes
formas como a mesma foi pensada a partir do fim do século XIX. É neste período que as
teorias ligadas, principalmente, à raça e ao meio emergem com toda força visando explicar
o descompasso do Brasil em relação a outros países do mundo, principalmente em relação à
Europa.
Ortiz inicia sua análise partindo de três pensadores desta época: Sílvio Romero,
Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, considerados precursores das Ciências Sociais no
Brasil que, influenciados pelas teorias evolucionistas, elaboradas na Europa no século XIX,
buscam, para além de uma lógica ligada a uma história natural evolutiva da humanidade,
explicar o Brasil através dos argumentos epistemológicos do meio e da raça, A
compreensão da natureza, dos acidentes geográficos esclarecia assim os próprios
fenômenos econômicos e políticos do país (1994, p. 16). Um exemplo claro de como estas
categorias fundamentavam a escrita destes pensadores é a obra clássica de Euclides da
Cunha Os Sertões, em que o autor logo de início apresenta dois grandes capítulos sobre a
Terra e sobre o Homem para, a partir da descrição detalhada das suas características, narrar
e contextualizar a guerra de Canudos ocorrida no sertão da Bahia.
A partir do paradigma naturalista, a importância do meio combinado às
características da raça justificava, categoricamente, os porquês do comportamento do
brasileiro. A exemplo disso via-se o negro do litoral sendo mais malevolente, o homem do
sertão mais sisudo e ríspido, a mulata sensual... E, assim foi-se criando um Brasil de tipos
(degenerados) e construindo no discurso sobre a identidade nacional o contorno de alguns
estereótipos.
São, portanto, prioritariamente estas noções de clima e raça que vão dar
singularidade ao país e explicar o seu atraso e a sua lenta mobilidade, o calor dos trópicos
foi visto como um fator dificultador para adaptação do elemento europeu na terra, aliado a
isso se apresentava uma evidente mistura de raças. Aparece, deste modo, um quadro
pessimista sobre a construção da nacionalidade e conseqüentemente o progresso e a
modernização do país. Se o mestiço (indolente) é um dado concreto, o que é apontado
como ideal para o progresso do país é a possibilidade de um branqueamento da sociedade
brasileira, numa tentativa de processualmente ir minando as características negativas do
nosso povo, para finalmente construir um Estado Nacional. Neste sentido, a idéia de Nação
aparece muito mais como uma meta a ser alcançada do que como uma realidade (Ortiz,
1994).
Tendo em vista que a Nação é uma comunidade imaginada (Anderson, 1983), ou
seja, um sistema de representação cultural que busca unificar um todo heterogêneo, ainda
permanece a questão sobre quais as estratégias utilizadas pela elite brasileira, no
processo de construção de sua unidade nacional, para a concretização de um ideal de
Brasil moderno e independente? Justamente num momento em que o país fazia de tudo
para copiar a França e seguir o padrão civilizador europeu, como conviver, por exemplo,
com a migração, através da qual vinham exatamente para a capital do Brasil, o Rio de
Janeiro, e para o maior centro urbano do país, São Paulo, os nortistas maltrapilhos e
miseráveis, denunciando que a febre de modernização do país não passava de uma
aspiração.
Provavelmente o caminho possível para alguns intelectuais e políticos da época
resolverem este conflito tenha sido o de criar, ou como bem diz o historiador Durval Muniz
Albuquerque Jr inventar uma divisão regional que pudesse viabilizar uma clara distinção
entre um Brasil ideal
moderno, rico, industrial, formado por uma grande parcela de
emigrantes europeus..., e um Brasil real
atrasado, pobre, rural, escurecido por uma
população mestiça de índios e negros... Desse modo, a ênfase na diferença entre o Brasi de
cima / Norte/Nordeste e o Brasi de Baxo / Sul/Sudeste (Patativa do Assaré), ou melhor,
a escolha de uma região para representar o nacional indicava, por hora, a resolução para o
grande dilema da unidade nacional.
A grande diferença entre o Norte e o Sul do país sempre foi pauta de discussão entre
muitos intelectuais da época, mais uma vez os paradigmas naturalistas (questões de raça e
meio) seriam responsáveis para explicar o descompasso no ritmo do desenvolvimento
interno do Brasil. Para Euclides da Cunha o regime meteorológico é a principal causa da
diferença entre o Norte e o Sul, tendo este (o Sul) condições incomparavelmente
superiores. Para Nina Rodrigues havia um risco de esfacelamento da nacionalidade, pois no
Sul estava presente uma civilização branca, moderna (considerada por ele superior),
enquanto que no Norte havia uma predominância mestiça e negra que atravancaria o
processo de desenvolvimento do país. Anos depois, Oliveira Viana confirmaria esta tese ao
considerar o Sul, principalmente São Paulo, como o local de uma aristocracia moral e
psicologicamente superior 2, desta forma, restava ao Norte subordinar-se às influências
modernizadoras do Sul (Albuquerque Jr, 2001).
Sendo o calor inadequado para o desenvolvimento de uma civilização e os mestiços
e negros uma sub-raça incapaz de realizá-la, Estaria o Norte condenado à decadência?
Em resposta a esse aforismo o movimento regionalista do Norte/nordeste ressurge
de forma intensa, nos anos vinte, arregimentado principalmente por Gilberto Freyre.
Intelectuais, políticos e artistas da região se articulam e, de diversas formas (nas artes, nas
produções literárias, jornalísticas...), encontram um jeito de dizer quem são e para que veio
o movimento, institui-se, neste momento, o que hoje conhecemos como Nordeste, até então
chamado de região Norte. Como afirma Albuquerque Jr.,
Uma nova consciência do espaço surge, principalmente, entre intelectuais que se sentem cada vez
mais distantes do centro de decisão, do poder, seja no campo político, seja no da cultura e da
economia. Uma distância tanto geográfica, quanto em termos de capacidade de intervenção. (2001,
p.50)
É no momento de construção discursiva sobre a unidade nacional que se afloram
diversos discursos regionalistas na tentativa de transformar os costumes, as manifestações
culturais e as práticas sociais de cada região em símbolos e imagens que represente o
nacional. Segundo Albuquerque Jr, são principalmente os Estados do Rio de Janeiro, São
Paulo e Pernambuco os que se colocam como centro distribuidor de sentido em nível
nacional
(2001, p. 42).
Neste sentido, é interessante questionarmos até que ponto foi possível superar os
regionalismos e chegar a uma representação nacional verdadeira , como defendia Mário
de Andrade, ao afirmar a importância de se realizar pesquisas sobre as peculiaridades de
cada região na tentativa de criar um todo brasileiro , que superasse os tipos regionais para
chegar a nos constituir como povo, homogêneo na alma e no corpo3.
Stuart Hall, em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, interroga a
possibilidade de uma identidade nacional representar um coletivo de forma conciliadora, já
que na situação colonial a conquista e a dominação entre diferentes povos se dão a partir de
um exercício constante de disputa de poder Cada conquista subjugou povos conquistados e
2 VIANA, Oliveira Apud ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz, 2001, p 57.
3ANDRADE, Mário Apud ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz, 2001, p. 50.
suas culturas, costumes, língua e tradições, e tentou impor uma hegemonia cultural mais
unificada (2003, p. 60). Nesta disputa de poder interna qual dos Brasis seria eleito
como o mais adequado representante da Nação?
O historiador Durval M. Albuquerque Jr sugere no subcapítulo Norte versus Sul, do
seu livro A invenção do Nordeste e outras artes, que o Sul seria eleito naturalmente o
fundamento da nação e explica que tal situação se deve ao fato de que, tanto o Sul quanto o
Norte, de formas diferentes, afirmavam o Norte enquanto espaço associado ao rural. O
primeiro evidentemente, de forma pejorativa, como o lugar de representação do atraso, da
violência, do barbarismo e da miséria, e o segundo como o lugar da brasilidade mais pura,
distante das influências estrangeiras, lugar do homem forte do sertão, mas também (e por
interesses da elite) como lugar onde, de fato, a seca era um dos mais fortes elementos de
constituição da região, alarmando a necessidade de grandes investimentos para a superação
da pobreza e do abandono. Além disso, ambos tratavam o cangaço e o messianismo
pejorativamente como fenômenos causados pela natureza.
É neste cenário de organização de imagens opostas do nordeste e do nordestino que
a célebre obra de Euclides da Cunha Os Sertões, publicada em 1902, pôde servir como uma
das fundamentações para ambos os argumentos, completamente díspares entre si. O seu
discurso ambíguo e contrastante oferece substrato suficiente para produzir tanto uma
estereotipia negativa em que se inferioriza o sertão/nordeste, quanto uma estereotipia
positiva em que se enaltece esta região e o seu povo.
Apesar de suas fortes convicções naturalistas, próprias de uma geração de
intelectuais influenciados pelas teorias evolucionistas, deterministas e racistas, Euclides da
Cunha se depara com a vida no sertão e a partir do que assiste durante a guerra de Canudos
é tomado por profundos conflitos epistemológicos visivelmente presentes na sua obra. As
imagens que constrói daquele lugar e do homem que o habita são totalmente ambíguas e
por vezes contraditórias. Assim, a paisagem desoladora e desértica é a mesma paradisíaca,
uma terra que vai Da extrema aridez à exuberância extrema (p.231), e o seu habitante, o
sertanejo, apesar de ser o homem permanentemente fatigado , cambaleante e sem prumo,
de um só assalto pode se transformar em um titã acobreado e potente ágil e forte. Enfim,
entre os saberes de sua época e a vontade de exaltar a memória dos canudenses, Euclides
acaba por levantar uma grande questão para o Brasil, quem será esse povo desconhecido:
vencido ou vencedor?
Desta forma, são estas e outras afirmações de Euclides da Cunha, aliada as demais
obras também de cunho naturalista que, por volta do início do século XX, dão vazão aos
divergentes discursos construídos pelos intelectuais do Sul e do Norte sobre a nova região
do país chamada Nordeste. É neste contexto que pretendo perceber de que forma foi
construído o estereótipo do povo que habita esta região o nordestino/sertanejo.
2. Como o Brasil de Cima se apresenta e como o Brasil apresenta o Brasil
de Cima
O objetivo do discurso colonial é apresentar o colonizado
como uma população de tipos degenerados com base na
origem racial de modo a justificar a conquista e
estabelecer sistemas de administração e instrução.
Homi Bhabha
O historiador Durval Muniz Albuquerque Jr. inicia o seu livro A Invenção do
Nordeste e outras artes, convidando-nos a olhar o Nordeste na mídia: novelas,
documentários, reportagens jornalísticas e, principalmente, programas de humor. O que
geralmente aparece em cena é um lugar bem distante (de quem?), com pessoas engraçadas,
que falam errado , se vestem com roupas emendadas, usam maquiagem exagerada, dão
tiro e peixeradas para todo lado... O que se encontra de comum em todas estas imagens
pitorescas e risíveis é um discurso concreto que produz um incômodo nos moradores da
região e, que pode gerar ao mesmo tempo uma intrigante aceitação do lugar de marginal
frente a uma cruel estratégia de estereotipização.
Assim como propõe Homi Bhabha em seu ensaio A Outra Questão: o Estereótipo, a
Discriminação e o Discurso do Colonialismo, no qual discute a questão da alteridade a
partir da construção do estereótipo no discurso colonial, Albuquerque Jr nos provoca a
fazer um deslocamento dos lugares fixos de opressor/oprimido, inventor/inventado,
sugerindo ao leitor uma compreensão histórica de como essas imagens foram produzidas e
quem as produziu. Ao trazer à cena os próprios nordestinos como atores desta trama e
não apenas como vítimas, afirma, logo de imediato, que a composição deste lugar e da
representação dos seus habitantes se deu a partir de diferentes vozes, vindas de fora e de
dentro da região. A produção destes discursos conferiu ao Nordeste e aos nordestinos
determinadas características e estigmas morais, culturais, simbólicos e sexualizantes, fruto
do jogo das relações de poder e saber, de conflitos e de acordos entre o Sul/Sudeste e o
Norte/Nordeste. Neste sentido, Albuquerque Jr. apresenta o Nordeste em termos de
representação
O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem
que leva a estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e auto-suficiente que se arroga o direito de
dizer o que é o outro em poucas palavras. (2001, p. 20)
Além de perceber a produção da região Nordeste gostaria de focalizar a discussão
na construção da imagem do seu habitante o nordestino . Quem é essa figura que se
encontra tão presente no imaginário dos próprios moradores da região, mas também, e
muito fortemente, nos outros brasileiros, representado (principalmente a partir dos anos
30) na literatura, na música, na poesia e no cinema, enfim, nas artes e nas letras que
compõem este Brasil... De onde, como e quando nasce este emblemático homem?
Mais uma vez Albuquerque Jr, em seu mais recente livro Nordestino, uma invenção
do falo, procura responder a questões como estas traçando uma triangulação de tipos para
explicitar as influências epistemológicas, utilizadas tanto pelos intelectuais do Sul/Sudeste
quanto do Norte/Nordeste. Desta forma, ele chamou de homem eugênico
a imagem
referente à raça, de homem telúrico
a imagem referente à cultura, e de homem rústico
a imagem referente ao meio.
No discurso das elites regionais do Norte, principalmente ligadas a Pernambuco
(inventores da idéia de Nordeste), o tipo regional vai se configurando a partir dos anos vinte
e sendo disseminado e popularizado no final dos anos trinta4. A primeira questão que o
autor chama a atenção é que, não por acaso, este sujeito é representado pela figura
masculina. Assim,
O Nordeste, que um dia foi o Brasil, o Brasil da Casa Grande e da Senzala, o Brasil da nobreza e da
quase nobreza portuguesa, o Brasil das capitanias hereditárias e das sesmarias, dos engenhos de
açúcar e das roças, do gado e do algodão, tornou-se periferia desse mesmo Brasil, mas que já não é
mais o mesmo... (Favero e Santos, 2000, p. 27)
Sentindo-se abandonado no porão da Casa Grande, como insistente lugar do atraso,
em contraponto a um Brasil moderno, do café e da indústria que nascia no Sul, seria
necessária à emergência de um Homem com H maiúsculo, forte, capaz de recuperar a
4 Quando aparecem os primeiros cordéis e xilogravuras onde este nordestino é representado.
potência e o poderio deste saudoso lugar. Desta forma, o homem que melhor representaria o
Nordeste, segundo o movimento regionalista, seria o sertanejo, aquele homem rude,
embrutecido pela natureza, descrito tão bem por Euclides da Cunha como um herói,
guerreiro, e resistente, capaz de enfrentar todo tipo de dificuldade e de sobreviver a elas.
Segundo Albuquerque Jr.,
O tipo nordestino vai se definindo como um tipo tradicional, voltado para a preservação de um
passado regional que estaria desaparecendo... ...se situa na contramão do mundo moderno, rejeita as
suas superficialidades, sua vida delicada e histérica. Um homem de costumes conservadores,
rústicos, ásperos, masculinos; um macho capaz de resgatar aquele patriarcalismo em crise; um ser
viril, capaz de retirar a sua região da situação de passividade e subserviência em que se encontrava.
(2003, p. 162)
A partir daí podemos perceber que o processo de estereotipia do nordestino
associado ao sertanejo, ao homem da roça, não nasce apenas de uma disputa do Sul contra o
Norte. É claro notar que o estereótipo associado aos atributos negativos do rural, e a criação
de estigmas como: tabaréu, violento, fanático, messiânico, incapaz, miserável... nasce da
necessidade do Sul se afirmar como: educado, moderno, capaz, rico, produtivo, racional...
pela diferença. O fundamento que associa as representações do nordestino ligadas ao rural,
mesmo no sentido de valorizá-lo, é decorrência de uma inconseqüente e voraz postura da
elite do Norte que, em nome da manutenção de uma ordem econômica e política
(patriarcal) e de uma sede de poder, utiliza a seca como o seu mote principal na
mobilização de recursos para investimentos na região (Albuquerque Jr. 2001).
É assim que o Brasil de cima se apresenta, forte, viril, duro e ríspido, influenciado
pelo meio ao desenvolver uma capacidade de enfrentar tudo e a todos para sobreviver,
sobreviver aqui no sentido de resistir, tanto a seca, que assola grande parte da região,
quanto no sentido de manter a pureza da brasilidade, se resguardando, pela distância, das
destruidoras influências modernizantes/estrangeiras, a que o Sudeste estava sujeito.
O abandono em que jazeram os rudes patrícios dos sertões do Norte teve função benéfica.
Libertou-os da adaptação penosíssima a um estágio social superior, e, simultaneamente,
evitou que descambassem para as aberrações e vícios dos meios adiantados . (Cunha, 2002,
p. 269)
É, portanto, no discurso ambivalente das elites rejeitadas do nordeste que, ao
mesmo tempo, em que se exaltam, se deixam apresentar como pedintes, excluídos,
marginais e miseráveis, vítimas da seca e da hostilidade da natureza. É neste sentido, que os
estudos de Albuquerque Jr, se apresentam como uma importante denúncia, propondo, aos
sujeitos aí traduzidos, superar este comportamento masoquista através da destruição do que
foi estabelecido historicamente como verdade, se o Nordeste foi inventado para ser este
lugar de barragem da mudança, da modernidade, é preciso destruí-lo para poder dar lugar a
novas espacialidades de poder e de saber (2001, p. 311).
Esta forma de dizibilidade abriu brechas para se deixar ser apresentado
pejorativamente pelo outro , que, por sua vez, se aproveita da ambigüidade e fragilidade
desse discurso para evidenciar excessiva e repetidamente alguns traços da diferença e
produzi-la enquanto estigma e verdade.
É principalmente pela imprensa que o Brasil de Baixo (o Sul) vai falar do Brasil
de cima (o Norte). Aí mais uma vez podemos considerar como um dos grandes marcos na
construção desse outro discurso o livro de Euclides da Cunha, Os Sertões, ao enfatizar a
superioridade do Sul em relação ao Norte, tanto pela influência do clima E volvendo ao
Sul, no território que do norte de Minas para o sudoeste progride até o Rio Grande,
deparam-se condições incomparavelmente superiores... atingindo no inverno, a impressão
de um clima europeu... (p. 248), como pela influência da raça Ao passo que no Sul se
debuxavam novas tendências, uma subdivisão maior nas atividades, maior vigor mais
heterogêneo, mais vivaz, mais prático e aventureiro, um largo movimento progressista, em
suma . Em contraposição estava o Norte capitanias esparsas e incoerentes, jungidas a
mesma rotina, amorfas e imóveis... lugar onde a história não tocava, o local do atraso,
onde as transformações urbanas e industriais, surgidas no centro-sul do país, jamais
ocorreriam, sendo esta região povoada por uma sub-raça .
O que chamaria a atenção do resto do país, tanto através da obra de Euclides quanto
pelo advento da imprensa citadina que divulga fotos e reportagens sobre a grande seca
ocorrida em 1877 no Norte, são, justamente, os comportamentos e fenômenos bizarros
desta região, pois aliado a guerra de Canudos o cangaço, começava também a aparecer na
imprensa sulista. A partir daí, surgem inúmeras reportagens principalmente de jornais do
Rio e de São Paulo sobre o Norte/sertão, algumas como notas de viagens. Segundo
Albuquerque Jr, O Estado de São Paulo promove uma série de reportagens intituladas
Impressões do Nordeste e Impressões de São Paulo , com a clara estratégia de
demonstrar a superioridade paulista, a exemplo deste texto escrito em 1920:
...Incontestavelmente o Sul do Brasil, a região que vai da Bahia até o Rio Grande5, apresenta um
tal aspecto de progresso em sua vida material, que forma um contraste doloroso com o abandono em
que se encontra o Norte, com seus desertos, sua ignorância, sua falta de higiene, sua pobreza, seu
servilismo6.
Deste modo,
seja na imprensa do Sul, seja nos trabalhos de intelectuais que adotam os paradigmas naturalistas,
seja no próprio discurso da seca, o Norte aparece como uma área inferior do país... A certeza de que
o rápido desenvolvimento do Sul, notadamente São Paulo, se explicava por ser um Estado de clima
temperado e raça branca, levava a que não se tivesse dúvidas do destino desta área, puxar o trem
descarrilhado de uma nação tropical e mestiça . O Norte ficaria naturalmente para trás.
(Albuquerque Jr., 2001, p. 62)7
Fazendo perdurar até os nossos dias o estereótipo do nordestino/sertanejo na região
Sul e Sudeste, reduzido à imagem da seca, da migração, do tabaréu, ignorante, cruelmente
associado ao risível.
E a Bahia?, citada acima como Sul, onde estava no momento de construção da
identidade do Nordeste, o que pensava e como se dizia este estado integrado a região
Nordeste posteriormente? É sobre estas e outras questões que pretendo discutir a seguir.
3. A pesquisa: Ser-Tão Baiano, o lugar da sertanidade na configuração da
Identidade Baiana
Pretendo a partir destas primeiras impressões sobre o discurso de estereotipia no
processo de construção da identidade brasileira, desenvolver a minha pesquisa pensando o
lugar da Bahia neste cenário. Ao perceber como o discurso colonial se reproduz
internamente num país (Brasil), numa região (Nordeste), e até mesmo num estado (Bahia),
faz-se necessário perguntar quais os efeitos dessas disputas identitárias internas, na
tentativa de estabelecer uma representação hegemônica?
Qual a relação identitária entre a Bahia e o Nordeste, como a capital do estado vê os
municípios do interior, existe lugar para a sertanidade no conjunto de referências que
comumente se denominou Identidade Baiana? A partir de perguntas como estas, pretendo
perceber como o discurso hegemônico da Baianidade, centrado na cidade de Salvador e
recôncavo, se afirmou, qual o seu impacto sobre os moradores da capital e os moradores do
5 Grifos meus.
6 Retirado do livro A invenção do Nordeste e outras artes de Albuquerque Jr., P. 43.
7 Grifos meus.
interior, o que está no imaginário dos jovens moradores da capital sobre os moradores do
interior do estado, principalmente da região do semi-árido do sertão baiano, é possível
superar os discursos de estereotipia do sertanejo/interiorano dentro deste estado do
Nordeste?
Todas estas questões partem de uma percepção pessoal, como migrante do interior
para a capital, de como as diferenças regionais dentro de um mesmo estado são apontadas,
dentro de uma lógica hierárquica, pela convivência cotidiana. Desta forma, a problemática
identitária do ser ou não ser baiano? intriga muitos outros que não se reconhecem na
imagem hegemônica e oficial da Bahia.
As discussões sobre as imagens de baianidade realizadas nas academias nos últimos
anos8, abordam o significado da identidade cultural baiana , colocando, em geral, em
debate o modelo de identidade produzido e veiculado sobre a Bahia sobre o olhar da
publicidade. Apesar de pensar criticamente sobre esta imagem de Bahia, estes estudos têm
se centrado no recôncavo, tendo como principal referência a cidade de Salvador, problema
que se reproduz em importantes estudos históricos.
Sabendo das dimensões geográficas e das singularidades culturais do estado, e a partir
dos estudos sobre o Nordeste e a construção da imagem do nordestino/sertanejo, é
necessário discutirmos mais profundamente o que é a cultura baiana , como e porque este
estado de tão ricas e variadas representações constrói a sua dizibilidade e sua visibilidade a
partir de uma única região?. Mesmo havendo uma abertura na academia para os estudos
culturais pautados na alteridade, no respeito às diferenças e no reconhecimento das
chamadas minorias, a questão da diversidade baiana ainda não é problematizada o
suficiente.
Para discutir a complexidade da sociedade baiana e suas múltiplas facetas não
podemos trabalhar com uma idéia totalizadora, como é o caso da identidade oficial baiana.
A imposição desta imagem apaga a existência do outro e não traduz a diversidade do
cotidiano popular.
A população afastada do litoral, do interior, do sertão, principalmente do semi-árido
baiano, não se identifica com o estilo de vida litorâneo: a culinária, a economia marítima e
as festividades religiosas, as manifestações culturais mesmo quando presentes não têm o
8 Principalmente por estudiosos das Faculdades de Ciências Humanas e de Comunicação da UFBA.
mesmo significado, porque são diferentes as lógicas, as noções de tempo e de espaço, e de
certos valores de convivência. E mesmo no contexto global, onde as distâncias espaciais e
temporais são encurtadas pelos meios de comunicação, percebo que o estereótipo do
sertanejo ainda perdura neste espaço metropolitano, reduzido à imagem da seca e da
ignorância. Esta visão é reforçada ao se produzir uma imagem hegemônica e oficial do
estado, em que as belezas e os elementos ligados a modernidade se concentram em um só
espaço, a capital e seu recôncavo, em contraponto a toda uma região culturalmente muito
rica que passa a ser um desconhecido, ou mesmo um não lugar, dentro de um mesmo
território (estado).
É no sentido de verificar se na composição da tessitura de referências comumente
chamada de Identidade Cultural Baiana há espaço para elementos de uma identidade
sertaneja, ou de uma sertanidade, que pretendo desenvolver a minha pesquisa, buscando
perceber como a imagem oficial e hegemônica da Bahia, representada principalmente pelos
meios de comunicação, afetam o imaginário dos jovens soteropolitanos em relação a
diversidade cultural do estado.
4. Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo:
Cortez. 2001.
ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. Nordestino, uma invenção do falo, uma história
do gênero masculino (Nordeste 1920 1940). Maceió: Catavento. 2003.
BHABHA, K. Homi. O local da cultura. Belo Horizonte. Ed. UFMG. 1998.
CARVALHO, Ana Maria de (org). Quem faz Salvador. Salvador: UFBA, 2002.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Cultrix-MEC, 1973.
FAVERO, Celso Antônio e SANTOS, Stella Rodrigues dos. Semi-árido: fome, esperança,
vida digna. Salvador: UNEB, 2000.
FREYRE Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira como
processo de amalgamento de raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha: Os Sertões In MOTA, Lourenço
Dantas (org.) Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico. São Paulo: Senac, 1999.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.
PÍRES NETO, Josias. Bahia singular e plural: registro audiovisual de folguedos, festas e
rituais populares. Salvador: SCT/Fundação Cultural, 2005.
RISÉRIO, Antônio. Caymmi, uma utopia de lugar. São Paulo: Perspectiva. 1993.
VELLOSO, Mônica. Que cara tem o Brasil? As maneiras de pensar e sentir o nosso país.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O Povo sertanejo
Do contato entre brancos e índios do Nordeste formou-se um povo mestiço, o sertanejo, que vai lidar com gado e aprender a arte do couro e do tratamento da carne de charque. Acostumado a longas caminhadas, dormindo em rede, comendo feijão, carne-de-sol, farinha de mandioca e vivendo no isolamento silencioso da enormidade das distâncias.
O pasto do sertão é ralo e as águas raras; os currais estão dispersos nas grandes sesmarias - os atuais latifúndios -, criadas com o trabalho e o suor do sertannejo e com sangue dos povos indígenas.
O vaqueiro nordestino - baiano, piauiense ou cearense -, com seu tipo característico, representa o sertanejo, que em grande parte esqueceu suas origens nativas, muito embora conserve viva a cultura indígena.
Essa alma indígena se manifestará mais tarde nos movimentos religiosos de Antônio Conselheiro e do Padre Cícero. O Nordeste indígena foi abafado, mas não destruído.

Brasil Indígena: 500 anos de resistência / Benedito Prezia, Eduardo Hoomaert. - São Paulo: FTD, 2000.